terça-feira, 27 de dezembro de 2016

"CURTURA" - Os sintomas de uma província

Muito me espanta, ou não os tempos em que vivemos mediante a crise e perante tantas crises, uma das que mais me afligem é a crise cultural.
Em tempos de incertezas é certo que os governantes entendem bem (muito bem diga-se de passagem), que a cultura faz um povo pensar, faz um povo enxergar a realidade com outros olhos e mediante a isso não querem que eu pense, não querem que vocês pensem e perante a este turbilhão de enxurradas empurradas goela a baixo, tentam extinguir de todas as formas possíveis o remédio para a alma, abnegando seu povo de saúde mental ou ainda...a cultura.
Vejo governantes dizendo-se preocupados com a saúde de um povo e extinguindo projetos culturais com desculpas vis assim como vejo pessoas ligadas a cultura ainda tratando arte da mesma forma como se ainda estivessem séculos atrás.
Na maioria das vezes nem mesmo a comunidade artística se entende, se sobrepondo ao próprio ego. E penso: Onde vamos parar?!
Em uma das minhas viagens quando estive na Europa, descobri a diferença primordial do que faz daqueles países lugares denominados de "primeiro mundo".

1) Não existe classe artística e sim COMUNIDADE artística. Não há uma divisão exata como tentamos fazer em nosso país dividindo artistas e pregando que cada artista deve apenas exercer uma função, caso contrário não fará nada bem feito e sendo assim, a forma de expressão de arte é para todos, sem divisões entre os artistas que a certo modo deixam seus egos de lado para entenderem isso.

2) Não existem mais professores que xingam seus alunos ou alunas ou os tratam com desdem, para extraírem o melhor de cada pessoa. Aqui no Brasil, ainda acontece uma forma peculiar (e isso acompanhei de perto), de algumas professoras e professores, tratarem seus pupilos (principalmente no Ballet como "Múmias Paralíticas" e outros tipos de xingamentos), não percebendo que  a "múmia paralítica", é quem diz, age e trata pessoas desta forma.

3) Um governo que se preocupa verdadeiramente com a saúde é aquele que coloca em primeiro plano a saúde mental. E para a saúde mental um dos remédios aconselhados (isso baseado em dados científicos), se chama C U L T U R A. Pois a cultura faz pensar dando significância a outros olhares. Está aí. O medo principal da revolução é o fazer pensar!

4) Enquanto não houver uma união e uma mudança de pensamento geral na COMUNIDADE artística, enquanto não houver uma mudança de pensamento na Classe política, enquanto não houver uma verdadeira mudança na população, as coisas continuarão a ser como são e a cultura continuará sendo tratado de forma banal como vem sido tratado e:

  • O povo continuará pensando que Ballet ou qualquer forma de dança, é apenas aquela mostrada nas apresentações de escola no final do ano. 
  • O povo continuará pensando que teatro é somente um monte de besteirol para passar o tempo. 
  • O povo continuará pensando que música se resume a sertanejo universitário, funk, pagode ou qualquer música com letras rasas de fácil discernimento. 
  • O povo continuará pensando que atores e atrizes são somente os que estão na tv. 
  • O povo continuará pensando que livros são caros e chatos (menos os de horóscopo). 
  • O povo continuará pensando que cinema nacional é feito de sexo, palavrões, violência, comédias idiotas e o escambau. 
  • O povo continuará pensando que ser "youtuber", é só falar um monte de asneiras sem o objetivo de fazer pensar. 
  • O povo continuará pensando que artes plásticas é algo sem sentido e só serve para decoração.
  • O povo continuará pensando que circo são um monte de vagabundos que não gostam de trabalhar.
  • O povo continuará pensando que bailarinas e bailarinos são somente um bando de gente desocupada que escolheu só fazer aulas para não trabalhar
  • O povo continuará pensando que músicos são aqueles que tocam por cachaça se não forem famosos.
  • O povo continuará pensando que arte pode ser colocada em 567º lugar pois existem muito mais coisas prioritárias e sendo assim, se entregam e integram a uma massa que pensa formatadamente.
E enquanto isso, políticos deitam e rolam e nós entramos "na deles", defendendo interesses pessoais assim como se estivesse torcendo para times de futebol, muitas vezes criando associações, agremiações e sindicatos para agirmos como tal e não chegar a lugar nenhum.
Eu em questão de artista, fomentador e entusiasta da arte, um fazedor de sonhos, assim como tantas amigas e amigos, só enxergo uma saída. Ou mudamos nosso foco de visão, unimos forças e mostramos que as coisas podem acontecer ou ficamos reféns de um país onde a cultura e os artistas são desvalorizados muitas vezes por culpa de nós mesmos.
E nessa hora entra a turma do "É difícil" e a turma do "As coisas não são bem assim". E nisso vamos ficando estagnados a espera de um milagre, reclamando sempre e sem nenhuma evolução. Enquanto isso os políticos e os "artistas vampiros" (aqueles que só enxergam as coisas em benefício próprio sugando de outros artistas), vão cagando e dançando sobre nossas cabeças fazendo o que querem como bem entendem e enquanto uma nação briga entre si, eles desfrutam do conforto de seus cargos e regalias.
Podemos ser sim primeiro mundo, mas estamos tão acostumados e acomodados com o terceiro que pra boa parte do povo...tanto fez como tanto faz. E assim vamos levando nossas vidas na grande província de Vera Cruz, cada um se achando maior do que o outro e todos patinando na mesma lama.
Acabo este post com uma parte da letra da música Perfeição, escrita por Renato Russo em 1993 e que pasmem! Ainda tão atual (espero que por pouco tempo).

" Vamos celebrar
A estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja
De assassinos covardes
Estupradores e ladrões

Vamos celebrar
A estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação

Celebrar a juventude sem escolas
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião

Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade

Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais

Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras
E sequestros

Nosso castelo
De cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia
E toda a afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias
É a festa da torcida campeã

Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar o coração

Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado
De absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos
O hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão

Vamos festejar a inveja
A intolerância
A incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente
A vida inteira
E agora não tem mais
Direito a nada

Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isto
Com festa, velório e caixão
Tá tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou
Essa canção

Venha!
Meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão

Venha!
O amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça
Venha!
Que o que vem é Perfeição!"