segunda-feira, 20 de novembro de 2017

PODE SER EU, PODE SER VOCÊ. (uma fábula contemporânea)

[NOTAS DO AUTOR: 
a) A personagem protagonista desta história não tem nome e muito menos gênero sexual justamente para que você possa se colocar no lugar dela.
b)Caso queira poderá escolher também como personagem a estrela, o golfinho, a gaivota. O que importa é que após sua primeira leitura, você escolha sua personagem, defina as outras e participe desta história.
c) Nesta página existe uma seleção natural de músicas em uma playlist criada por mim. Porém, vc só conseguirá ouvir em desktop ou laptop. Nunca tentei em tablet porém eu sei que em celular não dá. Caso queira tentar, sua história terá uma "outra cor".
Boa leitura, boa viagem e obrigado por acompanharem a Fogueira das Vaidades.]


Caminhava durante muito tempo pela floresta na encosta da montanha. Logo abaixo o grandioso e velho mar. Já havia passado muitas e muitas vezes por ali, só não entendia como. Foi quando teve a brilhante ideia de sair de onde estava e caminhar em linha reta para ver onde chegaria. Caminhou contando seus passos. 10.898 passos para ser mais exato, 10.898 passos que fizera chegar novamente em uma outra encosta onde viu... o mar. Mediante a milhares de pensamentos que passavam por sua mente assim como o vento de um furacão, resolveu então dividir seus passos para chegar até o centro.
Caminhou 5.449 passos, virou para sua direita traçando uma reta perpendicular e caminhou. Chegou novamente a uma outra encosta. Não feliz com o resultado, deu meia volta e caminhou no sentido contrário que levou até a beira de uma outra encosta a qual quando chegou, já era noite.
Sempre conversava com as estrelas, um pouco mais com uma em específico, até que após estas caminhadas para descobrir onde estava perguntou:
- Como assim? Ando, ando e ando para sempre chegar  em frente ao mar?
- Sim (respondeu a estrela), você está em uma ilha.
- E porque não avisaram antes?
- Porque nunca perguntou.
- Bom, a verdade é que cansei de andar em círculos, cansei deste lugar, sinto que minha liberdade é escassa e quero sair daqui, preciso conhecer novos mundos. Como faço?
- Pule no mar, ele te levará para outro lugar.
- Tá, mas... aqui tenho água fresca que nasce ali na pequena nascente, tenho comida das árvores frutíferas, tenho a cabana que construí para mim, os animais e as plantas que vivem aqui que me fazem companhia  e até ajudam no que necessito. O que o mar tem a me oferecer?
- Novos mundos (retrucou logo em cima a estrela)
- E qual a segurança que você me dá?
- Não existe segurança, existe o se precaver e se jogar. Segurança? Levando em consideração a frágil vida que existe nesta terra e a maneira que  o universo gira, sinto lhe afirmar que segurança é quase que um sinônimo de ilusão.
- E se eu me jogar e bater com meu corpo em uma pedra, e se eu me jogar e demorar algum tempo para encontrar água e comida, e se...
- Você pode ficar e uma árvore cair em sua cabeça durante um temporal, você pode ficar e de uma hora para outra acabar todas as suas regalias, a fonte secar, as frutas acabarem, tudo se tornar um ambiente seco entre as inúmeras possibilidades que podem acontecer. Nesse caso, você pode ficar e se contentar, você pode ficar e...
- Tenho medo
- O medo é necessário para que você possa se precaver, o medo é necessário para que você estude seus próximos passos, porém a partir da sua definição do que realmente quer, precisa se entregar pois sem entrega o medo te dominará e nesse caso o papel de quem domina quem é extremamente necessário para a próxima ação.
- Tudo que é meu está  aqui, minhas crenças estão aqui, minhas ideias estão aqui, me levaram a acreditar que tudo isso é o certo e...
- Pare de reclamar (falou rispidamente a estrela), se for para ficar reclamando e achando que sua vida é só isso, fique aí e se contente com o que te derem. Para mim deu, preciso seguir viagem pelo espaço.
- Hei, só quero ser coerente em meu pensamento! (gritou)
(A estrela já distante, também gritou)
- Quem pretende ser sempre coerente no seu pensamento e nas suas decisões morais ou é uma rocha ambulante ou, se não conseguiu sufocar toda a sua vitalidade, um animal maníaco e fanático que perambula sozinho acreditando naquilo que é imposto se transformando em seu próprio boneco manipulável.
Aquela estrela se foi e no céu ficaram as outras estrelas e a lua que iluminava o mar. Sentou na encosta, olhou para baixo, as lágrimas escorriam dos seus olhos e em um surto de desespero, firmou em sua cabeça que seria impossível sair dali e resolveu ficar.
Um golfinho nadava beirando a encosta daquela alta ilha e consequentemente ouviu toda a conversa.
- Hei, vem! (disse o golfinho)
- Não posso (respondeu chorando)
- O que te impede? Eu te mostro novos mundos!
- Que parte você não entendeu que não posso?
- Pule! Onde estou são águas profundas, não tem pedras e caso você vá muito fundo eu te salvo.
Antes de responder à estrela, parou, olhou para o céu, olhou para o mar, deu um largo sorriso, respirou fundo e gritou:
- Tá, chega, vou pular, é hora de me entregar  e conhecer novos mundos. É hora de me libertar! Agradeço tudo que este lugar me deu, agradeço por aqui todo este tempo ter estado e aprendido, agradeço por todos os ensinamentos, mas chegou minha hora de provar novas frutas, conhecer novas cores, novos lugares, chegou a hora de realmente me entregar!!! (gritou e parou repentinamente)
Calma (pensou), preciso pegar um pouco de água potável para levar.
(gritou para o golfinho) - Golfinho, me espere um pouco, vou pegar água potável para levar na viagem!
- Claro! (gritou o golfinho)
Ele saiu correndo até a árvore de cabaças, tirou uma cabaça, abriu, encheu de água e voltou. Olhou para baixo, viu o golfinho brincando feliz da vida, pulando, fazendo graça e de tudo aquilo fez despertar risadas e sorrisos.
- Golfinho, voltei!
- Vamos?
- Então, lembrei que preciso pegar comida também!
- Tá bom, mas agilize porque se a  maré baixar, só conseguirá pular de novo amanhã a noite.
- Então vamos fazer o seguinte, deixamos passar este dia, durante o dia pego minha comida, mais água e volto amanhã a noite.
- Se preferir... sem problemas! Amanhã a noite estarei aqui.
Saiu correndo pulando de felicidade, toda ilha deveria saber! Contou a novidade para as plantas e para os animais que viviam ali, iria partir para uma nova aventura. Os amigos macacos ajudaram  a pegar bananas e outras frutas para a viagem, os coelhos separaram raízes, ganhou até néctar colhido por um casal de beija flores. Alguns aconselharam a realmente ir, outros perguntavam se  tinha certeza. Porém, em sua cabeça, naquele momento, pulsava a convicção de toda certeza do mundo. Era o ser mais feliz daquela ilha!
Passou o dia, chegara a noite e caminhou para encontrar o golfinho que estava na encosta. Os dois sorriram. Encheu os pulmões de ar, em frente ao mar e gritou:
- Tudo pronto!
- Venha (gritou o golfinho)
A noite estava estrelada e a amiga estrela estava lá, toda sorridente. Seus amigos da ilha também estavam ali na encosta da frondosa ilha para ver a nova jornada que iria se iniciar. Uns diziam "Isso não vai dar certo", outros gritavam: "Pula, pula", outros ainda diziam: "Que inveja".
Olhou para o céu,  a estrela sorriu, fechou os olhos, respirou fundo e pulou.
Seu corpo no ar lhe causava uma sensação diferente, de felicidade e êxtase que há muito tempo não sentia, voava livre como um pássaro até que seu corpo tocou a água, agora era um peixe que mergulhava em profundezas não antes conhecidas. O golfinho mergulhou, cedeu suas costas para que se segurasse e voltasse a tona, o golfinho sorria, pulava e fazia estripulias saltando. O sabor de sair dali era surpreendente. Muitos sorrisos atrelado ao frio da espinha. "Borboletas no estômago" voavam cada vez mais rápido. Olhou para trás e viu uma ilha alta perdida no meio daquele oceano que lhe reservara muitas surpresas. Enquanto nadavam naquele velho mar de infinitas possibilidades, o dia amanhecia.
Olhou para trás e viu a ilha distante.
Uma das gaivotas que moravam na ilha voou até eles e começou a dizer:
- Você esqueceu de pegar cordas caso precise fazer uma jangada
- Não preciso tenho o golfinho
- Mas e se o golfinho resolver te deixar no meio do mar?
- Nunca faria isso dona Gaivota (respondeu o golfinho)
- A comida que você tem não vai dar para um dia (disse a gaivota)
- Nós pescaremos e logo mais estaremos em um continente lindo com vários braços de mar (retrucou o golfinho)
Enquanto isso, sem dizer nada, segurando a barbatana do golfinho, seus olhos fitavam aquele ser que nadava, intercalando com a gaivota.
Gaivota e golfinho, golfinho e gaivota, algo quente subiu em sua cabeça até que gritou:
- Pare! Me leve de volta a ilha, sem cordas realmente não tenho segurança e muito menos como fazer uma jangada,  caso precise. Você é até legal golfinho, porém acho que não sabe pescar. Então realmente prefiro ter mais comida como segurança e não acho que você realmente esteja disposto a me levar a lugar nenhum.
Volte por favor. (gritou)
O golfinho, sem entender, acatando a vontade pedida, fez meia volta e voltou. Nadou novamente até a ilha da segurança.
Era fim de tarde, o por do sol estava lindo, a gaivota voava na frente, o golfinho nadava atrás levando consigo agora um peso incompreensível. De relance olhava para trás para ver o por do sol e seus olhos trocavam olhares com o outro par de olhos em despedida. Em seu dorso, sentia gotas quentes de lágrimas que caíam, a sábia gaivota olhou para trás, viu a cena e disse:
- Não chora, isto é o certo.
O golfinho por sua vez, não acreditava no que acontecia.
Chegaram na ilha alta da segurança. Era noite e não tinha lua e muito menos estrelas, o céu estava em plena escuridão.
Desceu das costas do golfinho, se despediu, pediu desculpas, nadou, não olhou para trás, chegou na encosta da ilha e começou a escalar para chegar até lá em cima o mais rapidamente.
O que aconteceu a partir daí?
Não temos relatos da história.
A única coisa que sabemos é que a estrela ainda aparece algumas noites porém ninguém daquela ilha fala mais com ela. E o golfinho, algumas poucas vezes passa ao lado da encosta acreditando que algum dia pule e se liberte.